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Doação de bens entre ascendentes e descendentes e o instituto da colação

Doação de bens entre ascendentes e descendentes e o instituto da colação

Questão bastante interessante e que causa dúvida entre a população de uma maneira geral, diz respeito à colação de bens em caso de inventário ou arrolamento.

A colação ocorre, normalmente, em casos de doação de ascendentes feita para descendentes, sem a autorização expressa dos demais herdeiros.

Aqui não se pretende entrar no campo da compra e venda havida entre ascendentes e descendentes, outra questão bastante interessante no campo do direito sucessório, cujos aspectos específicos far-se-á oportunamente.

No que tange à doação, deve-se considerar o prescrito no art. 544 do atual Código Civil que diz: “A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”.

Trata-se do instituto denominado adiantamento de legítima. Toda vez que um pai doa algum bem a um filho, havendo outros filhos que com ele concorram na herança, estará adiantando parte da herança deste filho.

O donatário deverá, por oportunidade do inventário ou arrolamento, devolver aquele bem, ou o seu equivalente, ao monte mor para fins de partilha.

Não interessa se o bem doado saiu ou não da parte disponível do patrimônio do doador, pois presente o princípio da igualdade dos quinhões, ou seja, desde o direito romano, o Estado tende a resguardar os direitos dos herdeiros descendentes, mais especificamente filhos, para que um não seja preterido em relação ao outro.

Neste diapasão conclui-se que o legislador manteve no ordenamento positivo, a preocupação de fazer com que cada descendente, no mesmo grau, receba o mesmo quinhão, sem que o autor da herança possa beneficiar um ou alguns, em detrimento dos demais.

Tal posição não é unânime, existindo entendimentos de que somente estão sujeitos à colação, bens integrantes da parte indisponível do patrimônio do “de cujus”, ou seja, 50% dele.

Todavia, não nos filiamos a este entendimento, que reputamos minoritário e equivocado, na medida em que permite o benefício de um filho em detrimento de outros, o que nos afigura injusto.

No atual ordenamento, como se pode perceber do texto da Lei, foi incluído também o cônjuge no rol daqueles obrigados a restituir as doações ao monte mor.

Hoje, as doações feitas de um cônjuge a outro, também estão sujeitas à colação.

A Dra. Fernanda Souza Rabelo, em trabalho publicado  no site Âmbito Jurídico, aborda a matéria de maneira brilhante, conforme se transcreve em alguns trechos abaixo:

Segundo ela, colação é o procedimento através do qual os herdeiros necessários restituem à herança os bens que receberam em vida do “de cujus”.

Nosso ordenamento, segundo esse trabalho, não afastou, com a edição do Código Civil de 2002, o princípio da igualdade dos quinhões hereditários o qual vem expresso através do artigo 1846.

Cita ensinamento de Maria Beatriz Perez Câmara: “Neste sentido, presume-se que as doações e vantagens feitas em vida pelo ascendente aos seus herdeiros necessários são antecipações das respectivas quotas hereditárias, ou seja, adiantamento das legítimas, que devem reverter ao acervo”.

Já nos primórdios do direito romano a colattio  tinha por fundamento a busca da igualdade social. Segundo Zeno Veloso há parecer generalizado entre a doutrina no sentido de que a colação se baseia na vontade presumida do de cujus de não estabelecer uma desigualdade sucessória.

Ney de Mello Almada  arrola como requisitos do instituto:

1) doação feita pelo de cujus em favor de descendentes;

2) ostentar o descendente tal qualidade no momento da abertura da sucessão;

3) defender a liberalidade a igualdade das legítimas;

4) concorrer à herança pluralidade de descendentes do mesmo grau;

5) não ter havido dispensa pelo doador.

No que tange à natureza jurídica do instituto em estudo, tem-se pela melhor doutrina, a referência a três correntes:

A primeira, devida a Cicu, entrevê um estado de sujeição do colacionante; outra, divisa na colação uma obrigação (Goyena Copello); há quem identifique no instituto um carga (Messineo); finalmente, uma situação jurídica (Barbero)”.

Conceitua a Dra. Fernanda Souza Rabelo a colação como sendo uma obrigação exigível legalmente entre os herdeiros necessários, quer dizer daqueles que tenham uma porção hereditária garantida pela lei e da qual o autor da herança não pode privá-los, senão através de deserdação.

Há a presunção histórica de duas finalidades, ou seja, a presunção de vontade do autor da herança de não beneficiar a mais e a igualdade entre todos os herdeiros necessários.

É, enfim, a devolução, pelos herdeiros necessários, ao acervo hereditário dos bens recebidos por doação, quando ainda em vida, do autor da herança,  para inclusão na partilha, a fim de que esta se realize dentro da maior igualdade possível.

O instituto da colação vinha definido pelo artigo 1786 do Código Civil de 1916 como sendo  “o ato mediante o qual o  co-herdeiro, para assegurar a igualdade das legítimas dos demais, devolve à massa hereditária, em espécie ou em valor, as doações ou dotes com que foi contemplado pelo autor da herança”.

Arnaldo Rizzardo ensina que não se objetiva encontrar aquilo que poderia dispor o falecido . Não se leva à colação, em outras palavras, unicamente aquilo que excedeu o montante disponível, mas tudo o que constituiu objeto de doação.

No entanto, com a previsão contida no artigo 544 do Código Civil em vigor, a abrangência do instituto restou alterada, alcançando, agora, o cônjuge quando este se apresenta na qualidade de concorrente (artigo 1832 CC). Ora, o referido artigo considera como antecipação da legítima (adiantamento de herança) além das doações de ascendentes para descendentes, ainda, as doações de um cônjuge ao outro. No direito anterior, o adiantamento da legitima restringia-se somente as doações de pais para filhos.

A intenção do legislador, pelo que se pode extrair da leitura dos artigos 544 e 2003, foi estabelecer a obrigação do cônjuge de conferir os bens recebidos por adiantamento de herança. O Projeto de Lei nº 6960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo  Fiuzza prevê, expressamente, a obrigação de colacionar os bens recebidos em doação de seu consorte.

Assim, não se pode aceitar a interpretação realizada no sentido de que em não havendo determinação expressa de que o cônjuge  deva colacionar esteja o mesmo dispensado de fazê-lo, isto porque o instituto exige a dispensa expressa. Ademais, se  o cônjuge é herdeiro necessário e se recebeu doação em vida, concorrendo com outros herdeiros necessários deverá, obrigatoriamente, colacionar sob pena de, em não o fazendo, ferir o princípio maior do instituto da colação qual seja, o da maior igualdade da legítima dos herdeiros necessários.

O resultado da colação sempre importará em aumento na parte correspondente a legítima, isto é, a conferência por parte dos herdeiros necessários não importará aumento da herança e sim, apenas da legítima dos herdeiros necessários.

Segundo lição de Mario Roberto Carvalho de Faria,  “a colação não traz o bem para o espólio, nem aumenta a parte disponível do testador. As liberalidades já feitas em vida constituem negócios jurídicos perfeitos e que já produziram seus efeitos legais. Por conseguinte, os frutos dos bens doados não são objeto de colação, pertencem ao donatário” que, por certeza,  não deverá restituir tais valores ao monte”.

Cabe, ainda, ser destacado o fato de que em não sendo aumentada a parte disponível, não poderão os eventuais credores, seja do “de cujus”, seja do espólio, exercer qualquer pretensão quanto ao referido bem colacionado. Conforme já salientado, a doação é negócio jurídico perfeito, de eficácia imediata. Logo, não pertence tal bem ao acervo e não poderá nele ser computado. A doação deverá “voltar” apenas para a efetiva composição da legítima. Assim, se o falecido na data da abertura não possuía herança para deixar a seus herdeiros, mas, no entanto, havia doado um bem a um de seus filhos, tal valor deverá ser conferido apenas para que os herdeiros necessários concorrentes possam dividir de igual forma a legítima sem prejuízo a qualquer deles. Logo, como não há um aumento da parte disponível, como não há herança, os credores não poderão exercer qualquer pretensão quanto aos valores trazidos pelo herdeiro beneficiado em vida.

É considerado objeto da colação o valor das doações que o herdeiro necessário tenha recebido, em vida, do autor da herança (artigo 2002). Há, na doutrina, quem apresente distinção entre atos a título gratuito e liberalidades (Serpa Lopes). Entendendo que nas liberalidades  existe, necessariamente, a translatividade de um bem ou de um direito real sobre um bem, configurando-se o enriquecimento do donatário e o  empobrecimento do doador.

Assim, em nosso ordenamento são colacionáveis doações feitas (conforme artigo 2002 pelos ascendentes aos descendentes) aos herdeiros necessários (deverá ser inclusa a figura do cônjuge), as dívidas pagas pelo autor da herança, as doações indiretas ou simuladas. As quantias adiantadas para que o descendente adquira coisas (cumprindo seja colacionado apenas a soma, e não os bens com ela adquiridos), os rendimentos de bens do pai desfrutados pelo filho; somas não módicas, dadas de presente; perdas e danos pagos pelo pai como responsável pelos atos do menor, ou quaisquer indenizações ou multas; dinheiro posto a juros pelo pai em nome dos filhos; pagamento consciente de uma soma não devida ao legitimário; pagamento de débitos ou fianças ou avais do filho; quitação ou entrega de título de dívida contraída pelo filho para com o pai; remissão de dívida.

No entanto, o que se faz de difícil realização prática é a prova por parte daquele herdeiro que pretenda exigir a colação de tais doações “indiretas”. Não parece crível, aos olhos da Dra. Fernanda, posição a qual nos filiamos, que fique, o pretenso herdeiro, ao longo de uma vida, realizando apontes daquilo que, para exemplificar de forma mais esclarecedora, seu irmão tenha recebido do pai, de forma isolada, e que este entenda, então passível de exigir futura conferência à legítima. Por isto, por inúmeras vezes, na realidade, a legítima parece ter alcançado a situação de igualdade mas esta não traduz a realidade.

Em sendo nula a doação, mas estando o bem, dela objeto, na posse do donatário, entender-se-á não excluída a colação, com a peculiaridade de que, uma vez desconstituída judicialmente a liberalidade, todo o seu objeto volta ao patrimônio sucessível.

A dispensa de bens à colação, jamais poderá ser presumida, devendo em cada caso restar expressa através ou da escritura de doação ou por testamento. A lei prevê que restarão dispensados da colação os bens que o testador determine saiam de sua metade disponível. Não poderão, contudo, excedê-la, computado o seu valor ao tempo da doação. Nestes casos, nada poderá ser alegado pelos herdeiros concorrentes.

Existem, por outro lado, os casos de exclusão legal, previstos no artigo 2.010 CCB, afastando a obrigatoriedade quanto aos gastos ordinários dos descendentes com o ascendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval e despesas de casamento e livramento em processo-crime, de que tenha sido absolvido o menor.

Tais gastos, devem ser entendidos como aqueles inerentes ao pleno exercício do poder familiar, sendo insuscetíveis de serem considerados como antecipação de herança.

Afasta a lei, também, as doações remuneratórias em troca de serviços prestados por não constituírem liberalidades.

As benfeitorias e acessões restam excluídas da necessidade de conferência, sendo imputadas, ao donatário, igualmente, as  perdas e danos que os bens sofrerem.

Os frutos também não poderão ser objeto da colação sob pena de enriquecimento por parte daqueles que não contribuíram para que tais frutos fossem gerados. Ademais, as legitimas somente se atualizam com a morte do ‘de cujus’.

Não se pode deixar de referir que pecúlios ou seguros de vida não poderão ser incluídos no objeto da colação, pois não se trata de herança e, portanto, não são regulados pelas normas de direito sucessório a elas não se submetendo.

Se houver o perecimento do bem, logicamente sem culpa do donatário, caso em que a conferência ainda se faria obrigatória, é certo que a obrigação  não persiste porque para o dono também a coisa pereceu.

Em sendo a colação uma obrigação legal daquele que se viu beneficiado com a doação antecipatória, deverá fazê-lo, espontaneamente, sob pena de ser compelido através da competente ação de sonegados (artigo 1992 CCB). Isto deverá ocorrer no primeiro momento em que se lhe tornar possível a manifestação sobre as primeiras declarações (CPC 1014/1000). Silenciando o donatário, qualquer herdeiro necessário concorrente poderá interpelá-lo a fazer.

Falta ao inventariante, que não é herdeiro, legitimidade para exigir a colação uma vez que não se inclui essa iniciativa entre seus deveres funcionais, salvo no tocante aos herdeiros renunciantes, ausente ou excluídos.

Com relação ao valor, a lei civil anterior, em seu artigo 1792, previa que a avaliação devia remontar à época da data da doação. Já o parágrafo único do artigo 1014 do Código de Processo Civil  determina que  o cálculo  se faça pelo valor que tiverem os bens ao tempo da abertura da sucessão.

Em obra que analisava o sistema anterior, Arnaldo Rizzardo faz referência à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar a matéria, entendendo que a avaliação deva ser àquela ao tempo da abertura da sucessão devendo os valores serem corrigidos desde então.

Nelson Nery acosta Enunciado aprovado na Jornada de Direito Civil  promovida  pelo centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal sob os auspícios do STJ, a de nº 119 que dispõe: “Para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput do 2004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio,  a colação se fará  com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1014, de modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legitima quando esta se constitui, ou seja, na datas  do óbito (Resultado da interpretação sistemática do CC 2003 e §§, juntamente com o CC 1832 e 844)”.

Só podem exigir a colação aqueles que dela se beneficiarem, isto é, aqueles que possam sofrer um decréscimo em sua legitima em face um concorrente seu ter recebido a mais quando ainda em vida do autor da herança.

Um neto que tenha recebido uma doação do avô não restará obrigado a colacionar quando da abertura da sucessão daquele se filhos do falecido existirem, pois com eles não estará concorrendo. No entanto, se não existirem filhos para herdar,  se forem todos pré-mortos e existirem outros descendentes, também, filhos de outros filhos, neste caso obrigar-se-á aquele neto beneficiado anteriormente a colacionar para atingir a igualdade da legítima, isto é, todos chamados a suceder, na qualidade de herdeiros necessários, deverão receber a herança de forma igualitária eis que sucedem a título universal.

Caso que não pode deixar de ser abordado é aquele em que os netos venham a suceder ao avô em representação ao pai, quando então, necessariamente deverão colacionar, mesmo que sequer tenham conhecimento sobre a doação que seu pai tenha recebido, isto para que não se veja ferido o princípio de que os representantes nunca podem receber a mais do que receberia o representado.

Outro ponto que merece destaque é o de que com a nova disposição contida no artigo 544 do CCB, o cônjuge, herdeiro necessário, quando concorrente, tanto poderá ser compelido a colacionar, bem como poderá exigir a colação.

Carlos Maximiliano refere que enquadram-se no rol  daqueles que devem colacionar, também, os cessionários e qualquer adquirente da herança havida por descendentes pois ficam subrogados nos direitos e sujeitos às obrigações deste; são compelidos à colação e podem reclamá-la dos sucessores legítimos do defunto.

Por fim, é de se consignar que o instituto da colação somente terá aplicabilidade na sucessão legítima, pois na testamentária não se poderá buscar igualdade, eis que essa modalidade atende exclusivamente à vontade do autor da herança. E, se tal disposição de vontade ultrapassar a parte que o mesmo, efetivamente poderia dispor, não caberá a exigência de colação e sim, através da competente ação, requerer a redução das disposições testamentárias.

Há que se consignar, portanto, que o instituto foi preservado na nova legislação com a mesma finalidade que vem se apresentando desde os tempos da antiga Roma, isto é, atingir a igualdade da legítima dos herdeiros necessários mesmo que retroagindo e buscando atos praticados quando ainda em vida pelo autor da herança que não tenha, de modo expresso, evitado a aplicabilidade da previsão legislativa.

Por evidente equívoco, há corrente no sentido de que a colação somente se operaria naqueles casos em que as doações ultrapassassem a parte da qual poderia o autor da herança dispor.

No entanto, resta evidenciado exatamente ao contrário, todas as liberalidades com que a pessoa, de cuja sucessão se trata, tenha direta ou indiretamente gratificado o herdeiro ou aquele a quem o herdeiro representa deverá colacionar as quantias com que os pais acabam por solver, de forma gratuita, as dívidas de filhos, presentes em dinheiro, etc., devendo tudo isto ser excluído da legítima a que este herdeiro fará jus para atingir a real finalidade do instituto já referida, “a máxima igualdade da legítima dos herdeiros necessários”.

 * Alessandro Dias Figueira – Picchi e Figueira Advogados


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